Ser um... e ser dois...
Olho para os lados em todas as direções... tentando achar algum sentido para os meus pensamentos confusos.
“Um tal amor era uma doença grave, uma doença da qual nunca se cura...” (Consuelo de Saint-Exupéry)
Este meu amor tem sabor de chocolate... Daqueles que derrete na boca aquecendo a língua, entorpecendo os sentidos... alterando as minhas reações e fazendo meus olhos brilharem... acelerando meu coração e prolongando o meu prazer...
Esse amor com sabor indescritível não se acanha em ocupar minha boca... Se dissipa sorrateiramente e invade cada pedacinho de mim... impregnando com sua leveza e maciez todas as minhas sensações. E eu me perco... diante da realidade que se torna confusa...
Sua cor acastanhada refletida no fundo dos meus olhos me transporta para um lago borbulhante e aquecido... que me envolve e embala, despertando meu lado mais faminto enquanto perambulo zonza por entre seus caminhos de perfume adocicado.
Despretensiosamente, provei desse amor e ele agora corre através de minhas veias. E o seu aroma brinca com minhas necessidades, funde minhas percepções, erotiza minha presença, se desfaz com minha gula, satisfaz minha fome e me inspira a libertar meu lado mais libidinoso...
O sabor achocolatado desse meu amor aguça meus sentidos, tranqüiliza os meus hormônios, me torna lânguida e inspira meus devaneios. É agora meu único alimento... se tornou essencial ao se dissolver demoradamente em meu corpo. Simplesmente, me encantei por seu poder e agora sorrio sem limitações.
Então sabor... permaneça por aqui... e mais uma vez, me seduza com seu perfume, sacie o que parece insaciável em mim, me prenda entre suas garras viscosas e mornas e me faça derreter por você enquanto você se derrete em mim... entre meus lábios...
Quero me lambuzar com todo este seu sabor de chocolate...
Ela tinha todo o tempo pela frente mas negava-se a esperar por ele. Queria viver a toda velocidade. Ansiava em caminhar pela vida a passos largos. Queria atingir tudo o que tinha direito, no menor tempo possível. E não queria passar despercebida pelo que realmente valorizava.
Sempre acreditou que tinha nas mãos o poder de decidir os critérios do seu próprio merecimento. E desejava merecer mais que muitos. Não gostava de ser comparada à eles. Precisava que o diferencial fosse significativo e também notado e para isso se impunha determinada. Não abria mão do que acreditava, não cedia aos seus momentos de fragilidade... enfim, enfrentava todos seus receios... todos os seus fantasmas. E aqueles fantasmas já estavam perdendo suas vozes...
Ela sabia que podia ser diferente e por isso mesmo aprendeu a lidar com todos aqueles olhares tortos e infelizes. Eles já não mais a afetavam, influenciavam e muito menos interferiam no caminho já traçado para ser seguido... por ela mesma. Na maioria das vezes, guiava-se por rumo, por instinto e isso ela nunca soube explicar... ninguém jamais conseguiu entender... levando à um número sem fim de julgamentos impiedosos. Todo o seu poder encontrava-se intrínseco à sua presença; não podia mais se desvencilhar ou fugir... mesmo que desejasse. Ela era o que era e pronto.
Apesar da força negativa que sempre vinha em direção oposta, batendo de frente com ela, querendo minguar sua determinação, aprendeu a se admirar ainda mais diante dos corriqueiros reflexos oscilantes, que insistiam em confundí-la e em fazê-la desistir. Mas cada vez mais o peso daquilo tornava-se menor. As coisas pequenas passaram a ter um valor indefinível... e alegrava-se cada vez mais ao sentir o aroma de toda aquela sua auto-confiança, que se fortificara e tornara-se quase inabalável.
Já tinha se decidido e nada iria demovê-la daquele caminho. Esse era seu lema. E ela faria tudo para conseguir cumprí-lo. Apesar de muitas vezes, se sentir revoltada perante desacertados olhares de desaprovação, ou de comentários maldosos sussurrados na surdina, ela ainda era ela mesma. E não acalentava nenhuma idéia de renunciar às suas convicções.
Para não se perder e reforçar sua segurança eventualmente, olhava-se no espelho, que guardava e protegia todos seus segredos, e sorria ao se ver. Se orgulhava de todos os seus defeitos, ria de suas imperfeições, piscava para suas hesitações, debochava do que podia ofuscar seu brilho.
Apesar de tudo e de todos sabia que era vitoriosa pois tinha aprendido que valia mais do que tudo que pudesse fazê-la se sentir indigna ou desvalorizada. E sorriu mais uma vez diante da sua própria figura. Teve uma espécie de déjà vu de que realmente iria alcançar o que tinha vislumbrado. Uma alegria saborosa, e também poderosa, a atingiu em cheio.
E além de toda aquela velocidade com que queria viver tudo, da intensidade muitas vezes desconcertante que a tocava e a impelia a continuar buscando, decidiu perfazer o caminho de forma mais pausada, sem ultrapassar nenhum limite... porque não queria correr riscos... não queria cometer erros.
Sucumbiu àquela necessária urgência, por ela mesma... por sua sanidade...
Afinal, faltava pouco e ela encontrava-se a um passo da sua maior felicidade...
E por ter ouvido todas as palavras ditas ela pôde refazer todos aqueles caminhos que sabia serem mesmo confusos. Foi assim... relembrando coisas do passado que ela finalmente entendeu. Tinha o direito de escolha em tudo o que acontecia. Mas isso não garantia que o caminho escolhido fosse realmente o melhor. De onde ela se encontrava sentiu o perfume da cumplicidade. E aquele perfume era melhor que qualquer outro.
Ela achou que fosse uma mulher forte mas deixou-se levar pela paixão... E descobriu da pior maneira que não mais tinha controle de si mesma. Tinha ultrapassado todo o limite da sanidade. E atingia o extremo da inconsciência. Não podia encontrar nenhum equilíbrio em todo aquele excesso. Ficou tatuada na sua mente aquela imagem distorcida dos fatos. Sem nem desconfiar acabara cometendo os mesmos erros que criticava nas outras pessoas.
Descobriu da pior maneira que o que acreditava era mentira. Junto com aquele amor enaltecido sentia também ciúme, medo, angústia, descrença, dor... Se sentia asfixiada por tantos sentimentos extremistas e misturados. O que achava ser amor já não era mais... Aquele falso amor já não precisava mais de metáforas diante de tanta insensatez, exagero e falta de controle. Tinha se acostumado a inventar desculpas, argumentos e justificativas para continuar com aquela loucura, repetindo atos semelhantes que se baseavam, cada vez mais, em pensamentos deturpados. E então se viu vivendo num mundo de ilusão com medo da própria realidade. Fugindo de sua desprezada coerência.
Diante de tamanha ilusão, quem estava sobre o pedestal, naquele altar imaculado, finalmente despencara e ela também desmoronou. Tornou-se vazia... despedaçada. Se debateu não querendo escutar ou entender nada. E foi necessário um longo período até que alcançou um tênue momento em que o amor-próprio falou mais alto e conseguiu trazê-la de volta do limbo.
O gosto amargo da dor na boca ainda era sentido mas a consciência já tinha permissão para respirar um pouco enquanto o tempo se encarregava de varrer toda a poeira e teias acumuladas, trazendo de volta sua esperada dignidade.
Os dois andavam sozinhos... desacompanhados... Ela o viu e parou de súbito observando seus passos... e então ele a viu. Ficou desconcertado mas fez um movimento de cabeça como que dizendo "sim"... cumprimentando-a... e continuou indo em sua direção... com um sorriso malicioso estampado no rosto... que não conseguia disfarçar. Ficaram então de frente para o outro no meio de um alvoroçado corredor... mas ninguém parecia perceber aquela inquietude quase iminente.
Ele se aproximou para beijar-lhe o rosto... e ela pode sentir o calor da sua pele. Quente! Muito quente! O cheiro dele penetrou todos os seus pudores.. enquanto ele colocava uma das mãos em sua cintura... para então abraçá-la...Um abraço forte... envolvente... que fizeram todas as suas sensações entrarem em colapso... e provavelmente as dele também... Com certa hesitação se separaram... Ele fez perguntas, ouviu algumas respostas e quis saber onde ela estava indo. Ela iria almoçar e por isso estava indo esperar o elevador...
Neste momento, ele falou que também não tinha almoçado e perguntou se poderia fazer-lhe companhia... Convite irrecusável. Foram então esperar o tal do "elevador"... Providencialmente não era panorâmico e muito menos tinha ascensorista... Entraram. Estavam sozinhos... Ela se encostou em uma lateral... e ele em outra... distantes por aquele espaço oco e metálico mas não a ponto de impedir de sentirem o calor que os unia... como se fosse um imã...
Ela que vestia um vestido longo... amplo... de alcinhas... ficou ruborizada pelo calor inescrupuloso que a invadia cada vez mais... diante daquela presença muda... mas sorridente... e, também, pelos seus pensamentos infames... Será que ele estaria lendo sua mente?
Como que a respondendo... ele se aproximou um pouco ... e perguntou se ela tinha certeza que queria mesmo comer... enquanto a tocava levemente no rosto... Aquela sensação a desnorteou como se tivesse recebido uma descarga elétrica... potente. Retomou o ritmo da sua respiração e aproveitando a brecha da aproximação e do toque dele... ela pôde encostar seu corpo no dele e lhe falar no ouvido... que continuava com fome... mas agora fome ... dele.
O elevador parou... saíram de mãos dadas... sem dizer uma palavra... atravessaram uma porta de vidro que se entreabriu e que os separava do estacionamento daquele shopping. Continuaram andando rápido... tácitos, em uma direção certa para ele e completamente desconhecida para ela... Tinham se deixado seduzir por aquele mundo subjetivo... de fantasias... dos sentidos.... E aquela viagem estava apenas começando...